sexta-feira, 8 de maio de 2015

Venci com lutas e agora cobro

Hoje é dia 8 de maio de 2015 e são exactamente 22,15 minutos,já estava deitado e resolvi levantar e estou aqui na sala e isso parece recorrente. Levei a minha vida toda ou quase toda escrevendo e escrevendo, sempre à noite por muito tempo, mesmo.De repente parei, queimei tudo que já tinha escrito,joguei tudo fora e recomecei mais uma vez minha vida de médico.Antes, muito antes de ser médico, já tinha o hábito de escrever.Lá atrás nem máquina de escrever tinha, nem papel distinto e escrevia a lápis, esferográfica e qualquer outra coisa.Se escrevia o que era bom ou não isso eu não sei.Depois consegui comprar uma máquina de escrever olivetti, pequena, no tamanho certo e assim foi anos a fio.Agora estou na era digital e a coisa é mais fácil, no que tange a escrever, é claro.Já disse isso aqui e vou repetir: não tinha intenção de ser médico,não.Queria ser jornalista, escritor,coisas desse tipo mas na época de ingressar na faculdade, mais ou menos em 1965 e com a revolução de 64 caminhando, não dava pra ser jornalista.O Brasil já vinha a muito tempo caminhando para esse absurdo, quer dizer, a revolução de 64, agressiva, radical e que chegou solapando vidas, direitos, caminhos,uma verdadeira devassa na vida dos brasileiros, e na minha, brasileiro bronco, mal educado,grosso que não lia muito os jornais, porque não tinha dinheiro para isso e a reportagem televisiva , o jornal era muito diferente de hoje.Resumo: era um analfabeto funcional, não porque eu quisesse mas a situação me levara para isso.E conforme aconteceu comigo, acontece muito e muito mais com a garotada que hoje está sem muita perspectiva de vida ,de futuro.Mas eu ia em frente, grosso, mal educado, mal vestido, sapato com um buraco na sola,cabeludo, liso,leso e solto.E mesmo assim entrei numa faculdade de medicina, sem dinheiro, livros, sem caderno onde estudar.Ah! ainda morava no morro e sem água , água que tinha que buscar em um poço lá embaixo...E mesmo assim passei para uma faculdade no Rio de Janeiro,morando em Nictheroy- era assim que se escrevia- sei lá.Morava num bairro bem distante de Niterói-centro e tinha direito a uma passagem de ida e volta para a faculdade.Naquela época não existia a ponte Rio -Niterói, e se ia ou vinha através das barcas que todos conhecem,Vital Brasil, por exemplo.Eu que passei bem no vestibular tive que trocar com um colega que morava no Rio.Conclusão:Fui estudar na Universidade Federal Fluminense, quem diria!! Durante um ano, um ano inteiro tive que estudar até quase as 22 horas, as vezes fazíamos serão no anatômico-onde ficavam os cadáveres que estudávamos anatomia.Não tinha dinheiro nem para o cafezinho e muito menos para almoçar e eu,mais alguns ¨pé rapados¨como eu,estudantes de medicina, na hora do almoço ficávamos a jogar sinuca para esquecer a fome e isso durou 365 dias.Lembro que chegava muito tarde em casa e jantava a janta fria que ficava no fogão e nem reclamava.Antes de entrar na faculdade ajudávamos nosso pai numa feira permanente no centro de Niterói para ajudar na renda doméstica.Ei, não estou aqui dando uma de coitadinho, p... nenhuma.Estou dizendo o que aconteceu comigo,um sujeito sem eira nem beira que quis ser doutor,morando no morro, deseducado,ignorante,bronco mas que queria ser alguém ,apesar de tudo.E agora, muito tempo depois, quase 50 anos depois,cá estou a dizer que não foi fácil vencer na vida, vida difícil, vida de peão do asfalto.Hoje moro em Maricá, bela cidade do estado do Rio de Janeiro,continuo trabalhando como médico de família, com 44 para 45 anos de formado, rindo da minha desgraça passada,dos apuros que passei na vida por ser um bronco, f... e mal pago. Tenho 68 anos de vida, criei 6 filhos, tenho muitos netos e 2 bisnetos, trabalho e corro nas horas de folga e me vejo rindo das minhas aventuras.É claro que o que foi narrado aqui foi apenas algumas pinceladas da ¨ pintura ¨que foi minha vida.E digo uma coisa: ser médico não é fácil e ser médico com uma mão na frente e outra atrás,muito mais difícil é.E é claro que não estou reclamando de nada mas fico a pensar nos nossos jovens que não tiveram e não tem oportunidades na vida.Se eu tive a chance de ser um bandido? Nunca vi essa chance em minha vida porque os tempos eram outros.Sim, eram outros.Os pais eram mais presentes,existiam diálogos, claro que não os que existem agora,mas existiam.Os tempos são outros.Mas lhe digo uma coisa: o Brasil, essa terra tupiniquim não mudou nada.Mudou nomes, cidades, pessoas, partidos,coisa e tal.Mas Brasil não mudou nada e temo por esses jovens que existem aos milhares por aí,também sem eira nem beira,como eu.O Brasil se tornou um caldeirão,uma grande panela de pressão, prestes a explodir, e ninguém viu isso ainda.Mas está evidente, está na cara que a coisa continuará a ferver, a ferver até...explodir.E ninguém toma cuidado, não ligam, não se preocupam com isso nossas autoridades hoje, ontem e sempre.Tomara que nunca explodam, que não haja um levante,uma revolta de tantos desvalidos da sorte.As ações sociais tem que ficar cada vez mais presente, independente do nosso PIB, das nossas perdas como nação.O social tem que prevalecer numa terra que sempre é emergente mas nunca decola, onde os fanfarrões do nosso congresso cada vez mais zombam das nossas dificuldades, e muitos ainda tiram o pouco que nos resta com seus roubos e maracutaias, deixando-nos mais e mais as mãos calejadas e vazias de tudo,principalmente de dignidade.O tempo passou, eu venci mas não estou morto, muito pelo contrário, estou vivo e pronto para cobrar hoje e sempre a nossa herança que nos foi negada.

2 comentários:

  1. .
    Nessa vida de peão ,sem querer ser peão, muitos se perdem pelos caminhos tortuosos dessa vida impostamente mal vívida, f... e mal paga.
    Aos q venceram palmas e aos q perderam...a maioria resta continuar f...e mal pagos ou caminhar oelas sendas do crime.
    Tudo isso imposto p uma sociedade malcaratista e despudorado, onde o dinheiros, e só o dinheiro conta.
    Falei e disse...

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